Dizem que um dia a cada sete anos surge uma ala sobrenatural no zoológico de São Paulo. Nela há apenas um animal: o boto-cor-de-rosa. Nesse dia o boto escolhe uma jovem donzela que visite o zoológico e a leva para a ala oculta, com malemolência e palavras macias a seduz e a engravida. Foi o que aconteceu com a graciosa Aninha no ano de 1988.
Outros dizem que, naquele ano, Ana foi excursionar na Floresta Amazônica, e ao nadar com os botos no Rio Negro engravidou sem nem perceber. Outros ainda, mais céticos e sem compaixão, dizem que seu Gervásio era muito ingênuo por acreditar que sua filha havia engravidado do boto em pleno século XX. O pai era o Paulinho da rua de cima, sujeito que não presta, sedutor barato, ou então outro alguém da viagem à Manaus, talvez um índio ou local – daí veio o tom de pele moreno e o cabelo escorrido do pequeno Betinho.
Beto cresceu e teve uma juventude que muitos diriam bem sucedida: muitos amigos, facilidade de lidar com os professores e principalmente com as garotas de sua turma. Era um sedutor nato. Para ele as coisas simplesmente aconteciam, sem esforço consciente. Aos dezoito anos lhe foi dada a revelação. Já não era mais possível lhe esconder a verdade sobre a sua origem. Era sim filho do boto e estava cada vez mais evidente que havia puxado ao pai.
Desde então Beto nunca mais foi o mesmo rapaz alegre dos seus dias de mocidade. Percebeu que embora pudesse ter qualquer mulher que quisesse, nunca as teria de verdade – pois lhe era impossível se apegar a qualquer uma delas. O mesmo podia ser dito delas – tão logo o dia seguinte amanheça, elas sempre se vão sem lembrar quem é o boto. Beto sem saber se era ele ou elas quem desapareciam já estava a ponto de desistir quando conheceu aquele rapaz misterioso que era conhecido por ninguém como o Mágico da Taberna.
Antes de tudo fiquem cientes que o Mágico da Taberna é provavelmente o melhor e pior ilusionista que este mundo já teve ou terá. Seu poder é inigualável a qualquer mágico, seja o famoso da televisão, seja o que passa a noite fazendo truques em locais públicos. Basta quinze minutos de conversa com o Mágico da Taberna para que a pessoa acredite em tudo e qualquer coisa que seja dita ou imaginada por ele. O jovem é capaz de criar mundos com suas palavras e aprisionar qualquer pessoa neles. Não há truques, nem objetos, nem ilusões de ótica – tudo é sentido como real apenas ao ouvir suas palavras. Todavia ele é completamente incapaz de manter uma conversa com alguém por mais de quinze minutos – cinco minutos provavelmente é seu recorde. Sua timidez e inaptidão social o relegam a ser um mágico com poderes somente conhecidos por si mesmo. Ao menos até aquele dia…
Sentado no mesmo bar, na mesma mesa de sempre, o Mágico da Taberna toma sozinho o mesmo drink de sempre – ou seria somente água com gás imaginada como outra coisa? – vestido com o velho sobretudo mais quente do que o clima exige.
Beto também está nesse bar.
Algo que provavelmente você não sabe, ao menos que seja algum parente distante da Mula-sem-cabeça, do Saci Pererê ou do vampiro do Jaburu, é que pessoas sobrenaturais reconhecem outros iguais a si. Bastou um rápido encontro de olhares para que o boto e o mágico se percebessem. E encontros assim não ocorrem todos os dias. Resolveram, pois, tomar um porre daqueles!
Cansados de chorar as mágoas, o Mágico e Beto resolvem unir forças. Eis o pacto: o boto usaria seus poderes para que o Mágico vencesse os quinze minutos que nunca conseguira e o Mágico criaria um mundo que neutralizasse os poderes do boto.
O Mágico aponta a jovem sentada no balcão do bar.
Qual mundo criar?
— Que tal um mundo onde você seja o filho do boto e eu alguém capaz de criar mundos e imergir as mulheres nessa fantasia?
Aproximam-se da pequena e perguntam:
— Você acredita em boto-cor-de-rosa?
No dia seguinte a jovem, meio lânguida, acorda nua sobre a cama com o lençol a cobrir suas pernas e ventre. Memórias de prazeres e fantasias. Ao seu lado está um homem: é o boto? ou é o mágico? O corpo adormecido revela o sorriso do boto e os olhos do mágico. São os dois transmutados em uma só pessoa. Súbito percebe que os dois sempre foram a mesma pessoa. Quem? Seria um boto que a seduziu por uma noite com uma estória de um mágico. Ou seria um mágico que a prendeu nas terras imaginárias do boto-cor-de-rosa?
Deixe um comentário